terça-feira, 21 de abril de 2015

TRISTE OLIMPÍADA NA PODRE BAÍA DE GUANABARA

O nível de poluição e de porcaria boiando vai muito além do mínimo que as condições sanitárias devem admitir

Um dos grandes atrativos para o Rio ter sido escolhido como sede das Olimpíadas foi sua beleza. Basta mencionar seu nome, em qualquer lugar, que logo vêm à mente imagens de sol, mar, belas praias, uma linha de montanhas de formas caprichosas, uma floresta urbana. E um povo hospitaleiro, alegre, craque em fazer festas. Pesou também um poderoso argumento a favor: a promessa de obras que beneficiariam a cidade, deixando um legado para o cotidiano dessa gente. Entre elas, ao lado da garantia de mais segurança pública, haveria uma acentuada melhoria no transporte urbano e o saneamento da deslumbrante Baía de Guanabara.
Isso agora está sendo posto em questão. Há discussões em torno das provas de vela dos Jogos Olímpicos na baía, conforme programado desde o início. A Federação Internacional de Vela sugere a mudança no local das competições de iatismo. Um supercampeão como Lars Grael concorda que a realização das regatas está ameaçada pela poluição das águas e a concentração de lixo, afirmando que velejar em água imunda não dá. E explica que não se trata apenas da qualidade da água, mas que a própria quantidade de detritos flutuantes traz riscos de que a decisão de uma prova seja influenciada pelo lixo preso em uma das embarcações competidoras. Inadmissível. Algo como pretender realizar uma prova de atletismo numa pista esburacada, enlameada e escorregadia. Nessas circunstâncias, fica impossível que a disputa seja correta e justa.
Além do mais, há a questão da saúde dos atletas. O nível de poluição e de porcaria boiando vai muito além do mínimo que as condições sanitárias devem admitir. Federações internacionais vêm pressionando para que as provas sejam feitas em outro lugar. O próprio prefeito, ainda que ressalve haver exagero nas críticas, reconhece que se perdeu uma boa oportunidade para limpar as águas de uma vez por todas. O Comitê Rio-2016 é otimista, acha que vai dar certo. O secretário do Meio Ambiente até já escolheu a dedo um ponto e um momento de conjugação de maré e correntes, para se jogar dentro da água nojenta e seguir o exemplo do Camarada Mao no Rio Yang-Tsé, quando quis mostrar que a água estava limpinha e a sujeira que todos viam era só intriga da oposição.
O compromisso era cumprir a meta de 80% de despoluição a tempo para as Olimpíadas. Esse objetivo já ficou para trás. As autoridades agora dizem que, atualmente, já se tratam 49% das águas despejadas na baía. Mesmo quem resolver acreditar, há de convir que ainda falta muito. E as fotos que surgem todos os dias nas mídias sociais e na imprensa internacional falam por si , exibindo montanhas de lixo de todo tipo encalhadas em águas marrons. Mas há também quem prefira seguir o modelo vigente de jogar a culpa nos outros, sustentando que a grita dos estrangeiros é para prejudicar os nossos atletas, que velejam melhor dentro da baía do que fora dela e as outras federações estariam usando a poluição como pretexto para tirar as provas do aconchego da Guanabara.
Fala-se então em mudar o local das regatas. Uns sugerem Búzios, mas falta infraestrutura de apoio e está muito em cima da hora para planejar uma modificação desse porte. A hipótese mais plausível parece ser a de fazer as provas em águas oceânicas, fora da baía de Guanabara. Sujeita a um poder muito maior de variáveis climáticas, causadas sobretudo pelas mudanças constantes de ventos e marés.
Aí entra em cena outra sujeirada. Como os surfistas cariocas sabem muito bem. Dependendo de onde sopra o vento, de como estarão as chuvas nos dias precedentes, e de como será a maré, o chamado “caldo de fezes do sistema lagunar”, em quantidade colossal e espessura assustadora, pode escoar inteiramente para a Praia da Barra, sem que se possa saber com antecedência por onde irá se espalhar. Este mês mesmo, no Campeonato Mundial de Surfe que se estende até dia 22, isso pode acontecer dentro da área de contaminação do Canal da Joatinga.
Outra praia fora da baía, a de São Conrado, já foi excluída da etapa brasileira do campeonato mundial por causa do esgoto sanitário e do lixo lançados diretamente no mar, in natura, e em catadupas de cachoeira, sem qualquer espécie de tratamento. Quem não puder ir conferir de perto — pela visão e pelo olfato — pode procurar na internet as fotos feitas por atletas e os registros fotográficos aéreos permanentemente atualizados e postados pelo biólogo Mario Moscatelli. O sistema lagunar das Tijucas agoniza, com menos de 15% de seu espelho d’água ainda vivo e em movimento. A mancha de fezes chega até as ilhas em frente ao Quebra-Mar. Quando o vento é sul/sudoeste, contamina as praias da Zona Sul. Quando é leste/nordeste, emporcalha a Barra, o Recreio, a Macumba e a Prainha.
Como ser maravilhosa uma cidade que se recusa a ver e tratar da porcariada que gera? Não vai para baixo do tapete como as sujeiras que se escondem dos eleitores. Jorra e nos cerca. Triste baía... Mas tristeza não tem fim também fora da baía. Até quando?

Ana Maria Machado é escritora

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