Águas contaminadas são risco para
atletas que vão competir na Rio 2016
Análise da qualidade da água
encomendada pela Associated Press encontrou níveis perigosamente altos de vírus
e bactérias em locais de provas
30/07/2015 1:37 / ATUALIZADO 30/07/2015 2:15
Os remadores Diego Nazario e Emanuel
Dantas Borges treinam na Lagoa Rodrigo de Freitas cercados por peixes mortos - Felipe
Dana / AP
RIO – Os atletas que vão competir nos Jogos Olímpicos de
2016 terão que nadar e velejar em águas tão contaminadas por fezes humanas que
se arriscam a contrair alguma doença e não poder concluir as provas, de acordo
com uma investigação da Associated Press.
Uma análise da qualidade da água encomendada pela AP
encontrou níveis perigosamente altos de vírus e bactérias de esgoto humano em
locais de competições olímpicas e paralímpicas. Esses resultados alarmaram
especialistas internacionais e preocuparam os competidores que treinam no Rio,
alguns dos quais já apresentaram febres, vômitos e diarreia.
A poluição extrema das águas é comum no Brasil, onde a maior
parte dos esgotos não é tratada e uma grande quantidade de resíduos puros corre
por valas abertas até riachos e rios que alimentam os locais das competições
aquáticas dos Jogos Olímpicos.
Em consequência, os atletas olímpicos quase certamente
entrarão em contato com vírus causadores de doenças, que, segundo alguns
testes, estão presentes em níveis até 1,7 milhão de vezes acima do que seria
considerado alarmante em praias no sul da Califórnia, EUA.
Apesar de décadas de promessas oficiais de limpar a sujeira
das águas, o fedor de esgoto ainda recebe os viajantes que pousam no aeroporto
internacional Antônio Carlos Jobim do Rio. Belas praias estão desertas, porque
as ondas chegam à areia cheias de uma lama pútrida e, de tempos em tempos, a
lagoa olímpica, Rodrigo de Freitas, fica repleta de peixes mortos em
decomposição.
— O que se tem ali é basicamente esgoto puro —,” disse John
Griffith, biólogo marinho do instituto independente Southern California Coastal
Water Research Project. Griffith examinou os protocolos, metodologia e
resultados dos testes da AP. — É água dos banheiros, dos chuveiros e do que as
pessoas jogam na pia, tudo misturado, que vai para a água das praias. Isso
seria interditado imediatamente se fosse encontrado aqui — disse ele,
referindo-se aos Estados Unidos.
Autoridades brasileiras encarregadas da qualidade da água
nos locais olímpicos afirmaram que não estão monitorando a presença de vírus.
Mesmo assim, Leonardo Daemon, gerente de Qualidade da Água
do Inea, disse que eles estão seguindo as normas brasileiras de qualidade de
água para uso recreativo, todas baseadas em níveis bacterianos.
— Qual é a norma que deve ser seguida para quantidade de
vírus? Porque presença e ausência de vírus na água ... ela precisa de um
padrão, um limite — disse Daemon. —Você não tem um padrão, uma norma que
transfira a quantidade de vírus em relação a saúde humana, isso para contato em
água.
Mais de 10 mil atletas de 205 nações devem competir nos
Jogos Olímpicos do ano que vem. Quase 1.400 deles estarão velejando nas águas
próximas da Marina da Glória na Baía de Guanabara, nadando na praia de
Copacabana e praticando canoagem e remo nas águas insalubres da Lagoa Rodrigo
de Freitas.
A AP encomendou quatro rodadas de testes em cada um desses
três locais de competições olímpicas, e também na água que alcança a areia da
praia de Ipanema, que é muito frequentada por turistas, mas onde não será
realizado nenhum evento. Trinta e sete amostras foram testadas para três tipos
de adenovírus humano, além de rotavírus, enterovírus e coliformes fecais.
Os testes virais da AP, que continuarão em 2016, indicaram
que nenhum dos locais é seguro para nadar ou velejar, segundo os especialistas
em qualidade da água que tiveram acesso aos dados da AP.
Os resultados dos testes indicaram altas contagens de
adenovírus humanos ativos e infecciosos em algumas amostras, que se replicam no
trato intestinal ou respiratório de pessoas. Esses são vírus conhecidos por
causar doenças estomacais, respiratórias e outras, incluindo diarreia aguda e
vômitos, além de doenças cerebrais e cardíacas, que são mais graves, porém mais
raras.
As concentrações dos vírus foram aproximadamente as mesmas
que são encontradas no esgoto puro, mesmo em uma das áreas menos poluídas
testadas, a praia de Copacabana, onde serão realizadas as provas de natação do
triatlo e maratona aquática e onde muitos dos 350.000 turistas estrangeiros
esperados podem dar seus mergulhos.
— Todos correm risco de infecção nessas áreas poluídas —
disse o Dr. Carlos Terra, hepatologista e presidente do Grupo de Fígado do Rio
de Janeiro.
Um especialista americano em avaliação de risco para vírus
transmitidos pela água examinou os dados da AP e estimou que os atletas
internacionais em todos os locais de competições aquáticas teriam uma chance de
99% de infecção ao ingerir apenas três colheres de chá da água, embora a
probabilidade de uma pessoa ficar doente dependa da imunidade e de outros
fatores.
Além dos nadadores, os atletas de iatismo, canoagem e, em
menor grau, remo com frequência ficam encharcados durante a competição, e
também respiram as gotículas no ar.
A Lagoa Rodrigo de Freitas, que passou por obras de limpeza
em anos recentes, foi declarada segura para remadores e canoístas. No entanto,
os testes da AP revelaram que suas águas estão entre as mais poluídas dos
locais de competições olímpicas, com resultados que variam de 14 milhões de
adenovírus por litro no extremo inferior a 1,7 bilhão por litro no extremo
superior.
Em comparação, especialistas em qualidade da água que
monitoram praias no sul da Califórnia ficam alarmados se encontram contagens
virais de 1.000 por litro.
— Se eu fosse participar das Olimpíadas provavelmente
chegaria com antecedência, para me expor e fortalecer meu sistema imunológico
contra esses vírus antes de competir, porque não vejo como eles vão resolver
esse problema do esgoto — disse Griffith, o especialista em água da Califórnia.
UM RISCO ENORME PARA OS ATLETAS
Ivan Bulaja, o técnico croata da equipe de iatismo austríaca
da classe 49er, está começando a compreender isso. Ele disse que seus iatistas
perdem valiosos dias de treino depois de ficar doentes com vômitos e diarreia.
— Esta é de longe a pior qualidade de água que já vimos em
toda a nossa carreira no iatismo — disse Bulaja.
Treinando no início deste mês na Baía de Guanabara, o
velejador austríaco David Hussl conta que ele e seus colegas de equipe tomam
precauções, como lavar o rosto imediatamente com água mineral quando se molham
com as ondas e tomar banho assim que retornam à terra. No entanto, Hussl disse
que adoeceu várias vezes.
— Tive febre e problemas de estômago. É sempre um dia
totalmente na cama e, depois, mais uns dois ou três dias sem velejar — afirmou.
O técnico destaca o risco enorme para os atletas.
— A gente vive por uma medalha olímpica e pode realmente
acontecer de ficar doente alguns dias antes da prova e não conseguir competir —
disse Bulaja.
O Dr. Alberto Chebabo, que chefia o Serviço de Doenças
Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da
UFRJ, disse que o esgoto puro é causa de problemas de saúde pública endêmicos
entre os brasileiros, principalmente diarreia infecciosa em crianças.
Quando chegam à adolescência, disse ele, as pessoas no Rio
já foram tão expostas aos vírus que desenvolvem anticorpos. Mas os atletas e
turistas estrangeiros não terão essa proteção.
— Alguém que não foi exposto a essa falta de saneamento e
vai a uma praia poluída corre, obviamente, um risco muito mais alto de ser
infectado — disse Chebabo.
Estima-se que 60% dos brasileiros adultos tenham sido
expostos à hepatite A, segundo o hepatologista Dr. Terra. Os médicos insistem
que estrangeiros que vierem ao Rio, sejam atletas ou turistas, vacinem-se
contra hepatite A. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados
Unidos também recomendam que os viajantes ao Brasil sejam vacinados para febre
tifoide.