TRISTE OLIMPÍADA NA PODRE BAÍA DE GUANABARA
O nível de poluição e de porcaria boiando vai muito além do mínimo que as condições sanitárias devem admitir
Um dos grandes atrativos para o Rio ter sido escolhido como sede das
Olimpíadas foi sua beleza. Basta mencionar seu nome, em qualquer lugar, que
logo vêm à mente imagens de sol, mar, belas praias, uma linha de montanhas de
formas caprichosas, uma floresta urbana. E um povo hospitaleiro, alegre, craque
em fazer festas. Pesou também um poderoso argumento a favor: a promessa de
obras que beneficiariam a cidade, deixando um legado para o cotidiano dessa
gente. Entre elas, ao lado da garantia de mais segurança pública, haveria uma
acentuada melhoria no transporte urbano e o saneamento da deslumbrante Baía de
Guanabara.
Isso agora está sendo posto em questão. Há discussões em torno das
provas de vela dos Jogos Olímpicos na baía, conforme programado desde o início.
A Federação Internacional de Vela sugere a mudança no local das competições de
iatismo. Um supercampeão como Lars Grael concorda que a realização das regatas
está ameaçada pela poluição das águas e a concentração de lixo, afirmando que
velejar em água imunda não dá. E explica que não se trata apenas da qualidade
da água, mas que a própria quantidade de detritos flutuantes traz riscos de que
a decisão de uma prova seja influenciada pelo lixo preso em uma das embarcações
competidoras. Inadmissível. Algo como pretender realizar uma prova de atletismo
numa pista esburacada, enlameada e escorregadia. Nessas circunstâncias, fica
impossível que a disputa seja correta e justa.
Além do mais, há a questão da saúde dos atletas. O nível de poluição e
de porcaria boiando vai muito além do mínimo que as condições sanitárias devem
admitir. Federações internacionais vêm pressionando para que as provas sejam
feitas em outro lugar. O próprio prefeito, ainda que ressalve haver exagero nas
críticas, reconhece que se perdeu uma boa oportunidade para limpar as águas de
uma vez por todas. O Comitê Rio-2016 é otimista, acha que vai dar certo. O
secretário do Meio Ambiente até já escolheu a dedo um ponto e um momento de
conjugação de maré e correntes, para se jogar dentro da água nojenta e seguir o
exemplo do Camarada Mao no Rio Yang-Tsé, quando quis mostrar que a água estava
limpinha e a sujeira que todos viam era só intriga da oposição.
O compromisso era cumprir a meta de 80% de despoluição a tempo para as
Olimpíadas. Esse objetivo já ficou para trás. As autoridades agora dizem que,
atualmente, já se tratam 49% das águas despejadas na baía. Mesmo quem resolver
acreditar, há de convir que ainda falta muito. E as fotos que surgem todos os
dias nas mídias sociais e na imprensa internacional falam por si , exibindo
montanhas de lixo de todo tipo encalhadas em águas marrons. Mas há também quem
prefira seguir o modelo vigente de jogar a culpa nos outros, sustentando que a
grita dos estrangeiros é para prejudicar os nossos atletas, que velejam melhor
dentro da baía do que fora dela e as outras federações estariam usando a
poluição como pretexto para tirar as provas do aconchego da Guanabara.
Fala-se então em mudar o local das regatas. Uns sugerem Búzios, mas
falta infraestrutura de apoio e está muito em cima da hora para planejar uma
modificação desse porte. A hipótese mais plausível parece ser a de fazer as
provas em águas oceânicas, fora da baía de Guanabara. Sujeita a um poder muito
maior de variáveis climáticas, causadas sobretudo pelas mudanças constantes de
ventos e marés.
Aí entra em cena outra sujeirada. Como os surfistas cariocas sabem
muito bem. Dependendo de onde sopra o vento, de como estarão as chuvas nos dias
precedentes, e de como será a maré, o chamado “caldo de fezes do sistema
lagunar”, em quantidade colossal e espessura assustadora, pode escoar
inteiramente para a Praia da Barra, sem que se possa saber com antecedência por
onde irá se espalhar. Este mês mesmo, no Campeonato Mundial de Surfe que se
estende até dia 22, isso pode acontecer dentro da área de contaminação do Canal
da Joatinga.
Outra praia fora da baía, a de São Conrado, já foi excluída da etapa
brasileira do campeonato mundial por causa do esgoto sanitário e do lixo
lançados diretamente no mar, in natura, e em catadupas de cachoeira,
sem qualquer espécie de tratamento. Quem não puder ir conferir de perto — pela
visão e pelo olfato — pode procurar na internet as fotos feitas por atletas e
os registros fotográficos aéreos permanentemente atualizados e postados pelo biólogo
Mario Moscatelli. O sistema lagunar das Tijucas agoniza, com menos de 15% de
seu espelho d’água ainda vivo e em movimento. A mancha de fezes chega até as
ilhas em frente ao Quebra-Mar. Quando o vento é sul/sudoeste, contamina as
praias da Zona Sul. Quando é leste/nordeste, emporcalha a Barra, o Recreio, a
Macumba e a Prainha.
Como ser maravilhosa uma cidade que se recusa a ver e tratar da
porcariada que gera? Não vai para baixo do tapete como as sujeiras que se
escondem dos eleitores. Jorra e nos cerca. Triste baía... Mas tristeza não tem
fim também fora da baía. Até quando?
Nenhum comentário:
Postar um comentário